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Guaidó e a mal-sucedida operação militar contra a Venezuela: uma história de traição e corrupção do dinheiro

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Por Patricio Zamorano
De Washington DC

 

Os dias transcorridos desde a mal-sucedida operação ilegal de infiltração paramilitar na Venezuela de um grupo de mercenários estadunidenses e venezuelanos têm ajudado a esclarecer detalhes chave de uma história incrivelmente reveladora sobre a dinâmica interna de uma oposição rachada, de baixa moral e corrupta financeiramente.  De acordo com inúmeras  informações reveladas pelo ex militar dos Estados Unidos, Jordan Goudreau, contratado para a operação batizada “Gedeón”, Juan Guaidó junto com seus assessores Sergio Vergara, Juan José Rendón e com a assessoria do advogado Manuel Retureta, assinaram um plano de serviços para lançar a operação paramilitar.

Entre os últimos dias 03 e 04 de maio, com a ajuda de uma comunidade de pescadores, foram capturados doze paramilitares, entre eles, desertores das forças armadas e da polícia venezuelanas, junto a ex militares estadunidenses nas zonas costeiras da Guaira e Chuao.[1] Oito mercenários foram abatidos pelas forças de segurança.[2]

Diante das evidências, é impossível para Guaidó e seus assessores negarem a contratação desses serviços. Dentre elas, cópias do documento de 8 páginas (nomeado de “Acuerdo de Servicios Generales” ou “Acordo de Serviços Gerais”, em português) circulando amplamente na internet[3], e uma conversa telefônica do opositor gravada enquanto assinava o documento.[4]

Um contrato milionário

O contratado estadunidense, Jordan Goudreau, dono da empresa Florida Silvercorp USA Inc, que existe há dois anos, revela agora os antecedentes pela simples razão de que Guaidó nunca cumpriu com o pagamento do dinheiro  comprometido , incluindo uma garantia mínima de $1.5 mi de dólares, dos quais ele só teria recebido $50 mil dólares[5] de Rendón.

Goudreau, de origem canadense, é um ex militar dos Estados Unidos, e experiente combatente no Iraque e no Afeganistão. De acordo com seu website, simples e centrado na sua imagem pessoal, “Jordan Goudreau planejou e liderou equipes de segurança internacional para o Presidente dos Estados Unidos e para o Secretário de Defesa”.[6] Esta frase é uma hipérbole da sua relação de amizade com Keith Schiller, segundo informação concedida a AP[7], que por anos foi chefe de segurança e guarda-costas de Donald Trump. Muitas das entrevistas concedidas a AP por pessoas próximas ao mercenário sugerem que Goudreau é ingênuo politicamente, impulsivo e com delírios de grandeza.

Todos os detalhes vêm a público

Por tudo o que foi extensamente revelado por Goudreau em suas entrevistas, fica evidente que após o fracasso de uma operação que até agora mostrou um grande nível de incompetência e a morte de vários mercenários, o ex militar se apressou para revelar todos os detalhes à imprensa mundial para redirigir sua responsabilidade à equipe de Guaidó. Deixa claro que sua denúncia pública se baseia no descumprimento do pagamento dos seus honorários e que não se vê obrigado a manter confidencialidade, pois “nesse momento, o contrato foi completamente rompido e nada foi cumprido do lado da oposição […] Eu fiz tudo o que o contrato estipula”, declarou.[8]

Mercenários capturados em Chuao (Crédito foto: Governo da Venezuela)

O contrato tem mais de 70 páginas, segundo Goudreau. O Acordo Geral de Serviços, mais curto, prevê mais de $200 milhões de dólares para os serviços da Silvercorp[9] para derrubar o governo de Nicolás Maduro. De acordo com o mercenário, o dinheiro provém de grandes fundos que os Estados Unidos confiscaram ilegalmente da petroleira Citgo, cujo patrimônio é do Estado venezuelano, e que foi transferido para os cofres de Guaidó.[10] Goudreau também citou o TIAR como base de apoio à operação, tratado que a oposição venezuelana tentou ativar inutilmente na OEA para organizar ações militares contra a Venezuela.[11]

O mercenário Goudreau critica a moralidade de Guaidó

O mercenário também cita razões para denunciar Guaidó:

“Eles nos prejudicaram mais do que nos ajudaram. No início disseram que iam nos ajudar. Tem esses caras com acesso a milhões de dólares. Entregaram a eles 90 milhões de dólares, dos quais 9 milhões foram destinados à defesa. Olha, eles vão negar tudo isso. Sabiam que haviam homens na fronteira. Tem 60 venezuelanos que estavam famintos, treinando, pensando na libertação, e foram e o fizeram. Entretanto, seu governo de oposição está ganhando milhões de dólares. Penso que há um problema aí”. Questionado sobre a razão de Guaidó retirar o apoio ao ataque, destacou que “há muito dinheiro envolvido nesse momento. Quando as pessoas estão ganhando dinheiro, estão acomodadas. Não acredito que haja um incentivo real para libertar”[12] o país.

Prova de identidade de ex militares estadunidenses entre os mercenários. (Crédito foto: Governo da Venezuela)

Crítica a Guaidó cresce dentro da oposição

Apesar de todas as evidências, especialmente as denúncias de não pagamento feitas pelo próprio contratado, e a visível assinatura de Guaidó no contrato de serviços, o autodeclarado presidente da Venezuela se apressou em negar que tenha algo a ver com a operação paramilitar.[13]

O efeito de todas essas revelações é duplo. Primeiro, confirma as denúncias constantes dos últimos anos do governo de Nicolás Maduro sobre a existência de uma ameaça paramilitar real, a partir do solo colombiano.[14] Segundo, gera críticas de muitos setores da oposição, especialmente nos Estados Unidos, que atacam duramente a Guaidó por ter abandonado esta unidade de ex militares venezuelanos.[15] Mesmo a jornalista que entrevistou o mercenário Goudreau, Patricia Poleo, que é contrária ao governo chavista de Maduro, vem sendo duramente questionada pelos elementos mais extremistas da oposição[16]

As críticas e o escândalo são familiares. Esta caso é similar ao abandono de dezenas de militares venezuelanos desertores na Colômbia, alguns com suas famílias, depois de uma frustrada montagem de “ajuda humanitária”, ocorrida em fevereiro de 2019 na fronteira entre a Colômbia e a Venezuela. Na ocasião, o caso veio à público e foi confirmado pelo serviço de inteligência colombiano, como a equipe de Guaidó roubou centenas de milhares de dólares do dinheiro coletado para a campanha. Os desertores venezuelanos que foram inspirados pela oposição foram abandonados em quartos de hotel que não foram pagos.[17]

Grande arsenal confiscado dos mercenários. (Crédito foto: Missão Verdade, Governo da Venezuela)

Os opositores estão claramente dispostos a usar a violência paramilitar

Todo este caso demonstra vários temas fundamentais. Que Guaidó está administrando grandes somas de dinheiro, cujos resultados no ataque constante ao governo venezuelano são limitados, já que não tem conseguido romper a unidade do corpo castrense. Que financia atividades privadas semi-clandestinas que até o momento também se mostraram infrutíferas. E que está disposto a contratar forças mercenárias para organizar ataques pseudo-militares que colocam em risco a vida dos próprios participantes e civis na Colômbia e na Venezuela.

Enquanto as forças de oposição moderada continuam seus diálogos com o governo de Nicolás Maduro, uma facção dura e isolada continua com seus esforços para apoiar as sanções dos Estados Unidos, validar a intervenção estrangeira e os ataques paramilitares.

Além disso, fica claro que existe um grande fator de incompetência e de imoralidade entre a oposição extremista venezuelana, que por alguma razão ainda desconhecida, decidiu abandonar a este grupo de mercenários. O caso remonta a muitas outras operações na história do intervencionismo estadunidense na América Latina, quando grupos de mercenários foram abandonados no último minuto devido a considerações de pragmatismo político, cálculo militar realista que prevê fracassos, por escândalos envolvendo dinheiro ou simples incompetência militar.

Contrato de 8 páginas (“Acuerdo General de Servicios”) assinado por Guaidó por mais de 200 milhões de dólares, para contratar serviços de mercenários com o objetivo de derrubar o presidente Maduro, de acordo com a declaração de Jordan Goudreau (imagens do contrato cedidas por Goudreau à opinião pública).

Deixar tantas pistas claras: ingenuidade operacional e o fim de Guaidó

Todos os escândalos recentes que envolvem Guaidó demonstram uma fissura importante no apoio opositor à sua figura. É clara a decepção devido à falta de resultados. E todas as centenas de milhões de dólares que o governo dos Estados Unidos colocou a serviço de um governo fantasma não foram recompensados. Ao deixar traços claros, como um contrato de serviços mercenários assinado em sua caligrafia em um escritório de advocacia que não pode refutar a evidência legal, Guaidó demonstra também a sua imaturidade política e a sua incompetência.

Não há dúvida de que este fato marca o início do fim da influência de Guaidó sobre o setor linha dura da oposição venezuelana e talvez possa reforçar a posição dos moderados que preferem uma solução política em vez de sanções, violência e intervenção externa. Esse ataque militar, mal preparado e sem financiamento, repleto de erros, custou vidas humanas – cerca de oito soldados morreram, muitos deles jovens ex-soldados e policiais mostrados nos vídeos dos ex-combatentes militares antes do início do ataque.[18] Todos aqueles que conspiraram para apoiar ou abandonar esta ação militar têm responsabilidade direta sobre este fato.

As palavras de Jordan Goudreau não deixam dúvidas sobre o que a oposição está sentindo agora, após o fracasso desta aventura pseudo-militar: “Fui um combatente da liberdade a vida toda. Eu lutei no Iraque, no Afeganistão, sou um soldado decorado. Eu fui baleado. Mas nunca na minha vida vi as facadas nas costas e o nível de total desrespeito pelos homens em campo”.[19]

 

Contrato de 8 páginas (“Acuerdo General de Servicios”) assinado por Guaidó por mais de 200 milhões de dólares, para contratar serviços de mercenários com o objetivo de derrubar o presidente Maduro, de acordo com a declaração de Jordan Goudreau (imagens do contrato cedidas por Goudreau à opinião pública).

 

Este artigo foi traduzido do original em espanhol por Márcia Cury, Senior Research Fellow do COHA


Notas de rodapé

[1] “Hijo de Raúl Baduel se encuentra entre los detenidos en la embarcación de Chuao”,

https://www.elnacional.com/venezuela/hijo-de-raul-baduel-se-encuentra-entre-los-detenidos-en-la-embarcacion-de-chuao/

[2] “Ocho paramilitares fallecidos en incursión frustrada por La Guaira desde Colombia”, http://www.avn.info.ve/node/481798

[3] Ver varias fuentes: https://venezuelanalysis.com/news/14861, https://pbs.twimg.com/media/EXImw1yWkAA1a2B?format=jpg&name=medium, https://dialogosdelsur.operamundi.uol.com.br/america-latina/64517/venezuela-revelan-el-contrato-firmado-por-guaido-para-ejecutar-golpe-de-estado

[4] “Jordan Goudreau’s telephone conversation with Juan Guaidó, prior signed contract”, https://anoncandanga.com/jordan-goudreaus-telephone-conversation-with-juan-guaido-prior-signed-contract/

[5] “Ex-Green Beret Says Attempt to Oust Maduro Ongoing After Setback”, https://www.msn.com/en-us/news/world/ex-green-beret-says-plan-to-oust-venezuela-e2-80-99s-maduro-is-ongoing/ar-BB13AKhH

[6] https://www.silvercorpusa.com/about-jordan-goudreau

[7] “Ex-Green Beret led failed attempt to oust Venezuela’s Maduro,” https://apnews.com/79346b4e428676424c0e5669c80fc310

[8] “PRUEBA DE QUE GUAIDÓ FIRMÓ EL CONTRATO”, https://www.youtube.com/watch?v=1-L2VQPnZMI

[9]“Venezuela: revelan el contrato firmado por Guaidó para ejecutar golpe de Estado”, https://dialogosdelsur.operamundi.uol.com.br/america-latina/64517/venezuela-revelan-el-contrato-firmado-por-guaido-para-ejecutar-golpe-de-estado

[10] “Venezuela.- El ex boina verde acusado de la incursión naval en Venezuela dice que el plan contra Maduro sigue en marcha”, https://www.notimerica.com/politica/noticia-venezuela-ex-boina-verde-acusado-incursion-naval-venezuela-dice-plan-contra-maduro-sigue-marcha-20200505120944.html

[11] “PRUEBA DE QUE GUAIDÓ FIRMÓ EL CONTRATO”, https://www.youtube.com/watch?v=1-L2VQPnZMI

[12] “CÓMO IMPIDIÓ GUAIDÓ LA SALIDA DE MADURO | EXCLUSIVA OPERACIÓN GEDEON”, https://www.youtube.com/watch?v=mGsao-iBZGk

[13] “Guaidó niega vínculos con intento de invasión en Venezuela”, https://www.chicagotribune.com/espanol/sns-es-coronavirus-guaido-niega-vinculo-intento-invasion-venezuela-20200505-uiditc4i6nbdda3nyx24n26zee-story.html

[14] “Acusación de “campamento paramilitar” de Venezuela a Colombia”, https://www.trt.net.tr/espanol/espana-y-america-latina/2019/09/01/acusacion-de-campamento-paramilitar-de-venezuela-a-colombia-1261825

[15] “VIDEOS EXCLUSIVOS | Preparativos Operación GEDEÓN”, https://www.youtube.com/watch?v=PJGudB6zJv4

[16] “Patricia Poleo RESPONDE | Entrevista de Alejandro Marcano”, https://www.youtube.com/watch?v=VJ_p6ZyS7Pg&t=1s

[17] “Guaidó’s Star Fades as his Envoys to Colombia Allegedly Commit Fraud with Humanitarian Funds for Venezuela”,  https://coha.org/guaidos-star-fades-as-his-envoys-to-colombia-allegedly-commit-fraud-with-humanitarian-funds-for-venezuela/

[18] “VIDEOS EXCLUSIVOS | Preparativos Operación GEDEÓN”, https://www.youtube.com/watch?v=PJGudB6zJv4&t=549s

[19] “PRUEBA DE QUE GUAIDÓ FIRMÓ EL CONTRATO”, https://www.youtube.com/watch?v=1-L2VQPnZMI